É POSSÍVEL HAVER RESPONSABILIZAÇÃO DO MÉDICO PELA INDICAÇÃO OU NÃO DA CLOROQUINA?.
- observatoriojuridico
- 14 de jul. de 2020
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Atualizado: 14 de jul. de 2020
No contexto da grande pandemia vivenciada atualmente o que mais surge interesse é em saber quais são as medidas tomadas para contenção da doença. A principal e, sem dúvida, mais esperada medida é testar um medicamento eficiente no tratamento das pessoas já contaminadas com a Covid-19 e uma vacina para prevenir o contágio.
Por essa razão, os pesquisadores da área da saúde têm buscado uma solução para a problemática, primeiramente, verificando se algum dos medicamentos já existentes consegue combater o coronavírus. Dentre as possibilidades estudadas, os pesquisadores estão testando a eficiência da cloroquina e hidroxicloroquina, as quais são indicados para tratamentos de malária e doenças reumáticas (como artrite reumatoide e lúpus).
Ainda não existe consenso sobre a questão. O Ministro da Saúde divulgou recentemente um manual de “Orientações do Ministério da Saúde para Manuseio Medicamentoso precoce com diagnostico da Covid-19” dando diretrizes de utilização dos dois medicamentos em casos leves, moderados e graves, além da estipulação de que o acesso só será possível por meio de prescrição médica e com termo de consentimento do paciente.
Segundo o art. 3º, §1º, da lei n.º 13.979, as medidas previstas (como tratamento médico específico, vacinação e outras medidas profiláticas) somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública. Ademais, alguns órgãos como a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-americana da saúde tem desaconselhado o uso pela falta de comprovação prezando pela cautela de qualquer indicação medicamentosa.
Os grupos favoráveis à liberação dos medicamentos fundamentam que, apesar de não existir uma comprovação científica sobre a eficácia da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento para Covid-19, existem diversos estudos sobre o uso desses dois fármacos no tratamento de outras doenças infecciosas e de doenças crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde, sendo necessário diminuir as burocracias e garantir o acesso à população dessa alternativa ao tratamento da doença.
Por outro lado, os grupos contrários afirmam que os estudos sobre os medicamentos são preliminares e com poucos pacientes, devendo ter uma confirmação científica oficial para, em seguida, inseri-lo no protocolo de tratamento, evitando efeitos colaterais imprevisíveis e possível agravamento dos sintomas. Somando-se a isso, esse grupo defende que o direito à saúde previsto na Constituição Brasileira assegura que o Estado deva atuar na promoção, proteção e recuperação das pessoas, de forma que os tratamentos oferecidos sejam seguros e eficazes.
Nesse momento de grandes divergências entre adotar ou não a cloroquina e a hidroxicloroquina como uma intervenção preventiva ou aguda (nas pessoas doentes), qual deverá ser o papel do médico? Ele dever ser obrigado a prescrever o medicamento? E mais, ele poderá ser responsabilizado pela indicação ou não destes fármacos?
Verifica-se, até o presente momento, que não existe possibilidade de responsabilização do médico pela prescrição ou não desses fármacos.
O Código de Ética Médica, especificamente no capítulo 1 (inciso VII), ratifica que o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência. É assegurado ao médico o direito de ter sua “conduta médica”, ou seja, esse profissional tem liberdade para trabalhar e o oferecer o tratamento medicamentoso de acordo com suas convicções e estudos.
Além disso, é vetada a disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, que tente limitar a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente, conforme inciso XVI do Código de Ética Médica.
Somando-se a isso, os médicos que desejarem prescrever o medicamento também possuem – em regra - certa proteção, uma vez que, segundo o parecer n.º 04/2020 do Conselho Federal de Medicina, apesar de não recomendar o uso de medicamentos por ainda não ter uma comprovação científica de sua eficácia, afirma que não cometerá infração ética o médico que utilizar a cloroquina ou hidroxicloroquina, autorizando a sua prescrição.
Àqueles que optarem pela prescrição fica a responsabilidade de informar todos os riscos aos pacientes e da falta de comprovação dos benefícios dos fármacos, e ainda, de obter o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do paciente que aceitar o tratamento.
Em resumo, até o presente momento, não existe possibilidade de responsabilização dos médicos que não prescreverem os fármacos, uma vez que estes possuem autonomia e devem realizar o tratamento de acordo com a sua “conduta médica”. Em relação aos profissionais desejarem prescrever, as hipóteses de responsabilização só poderiam ser cogitadas no caso de inobservância as cautelas exigidas no uso dessa medicação.
Ressalta-se que, por ser um assunto totalmente novo para o Direito e para a responsabilidade civil, ainda não existe uma posição bem definida sobre essa questão, devendo ser melhor estudada pela comunidade jurídica.
A partir desse debate é possível verificar que não existem soluções simples para problemas complexos, muito menos uma igualdade de opiniões e condutas no tratamento de doenças ainda pouco conhecidas. O que deve ser feito, portanto, é manter a via do diálogo democrático sempre aberta para que as medidas de proteção à saúde possam ser aperfeiçoadas para o melhor enfrentamento da pandemia.
Autores: SOUZA, Joselaine; MOURA, Lucas, JANONES, Nathalia; MACHADO, Yuri.
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