ALGUMAS DAS NOVAS DIRETRIZES DOS PLANOS DE SAÚDE DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19
- observatoriojuridico
- 24 de set. de 2020
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A pandemia do Covid-19, desencadeou modificações nas relações sociais em diversos âmbitos da comunidade, exigindo medidas emergenciais que tenham como objetivo minimizar os desequilíbrios provocados pelo fato jurídico superveniente. Dentre as interações que podem ter sido afetadas pela pandemia, salienta-se o vínculo contratual de caráter consumerista da prestação e compra de serviços oferecidos pelas operadoras de planos de saúde.
O cancelamento dos serviços médicos prestados pelas fornecedoras de plano de saúde, tem sido objeto de preocupação, não apenas dos consumidores desse serviço, como também do órgão de regulação dessas empresas. Sendo que o abalo financeiro que alguns núcleos familiares tiveram, podem acarretar a impossibilidade no cumprimento das prestações de contratação desse serviço, desencadeando uma desassistência médica durante uma crise sanitária e, consequentemente, uma possível superlotação do sistema de saúde público.
Características e funções da Agência Reguladora:
A prestação desse serviço é pactuada através de contratos privados que ofertam a assistência de saúde. Suas podem ser encontradas no Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei.8.078/1990), pela Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/1998) e sua regulamentação editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar — ANS (criado pela lei n.º 9.961/200)
Conforme preceitua o art. 3º da Lei 9.961/2000, a ANS tem por finalidade “promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País”
A referida Lei estabelece ainda que a ANS possui competência para estabelecer as características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras (art.4). Diante de suas atribuições legais, a agência adotou nova “medida para que as operadoras priorizem a assistência aos casos graves da Covid-19 de seus beneficiários” (ANS, 2020). Sem que essas ações prejudiquem aos demais consumidores.
Dentre as ações tomadas pela ANS, salienta-se a prorrogação em caráter excepcional, dos prazos máximos de atendimento para a realização de consultas, exames, terapias e cirurgias que não sejam urgentes, objetivando priorizar os atendimentos à suspeita de contaminação pelo Covid-19. Entretanto, existem exceções à regra, haja vista que, há tratamentos não passíveis de serem interrompidos ou adiados por colocarem em risco a vida do paciente (Ex. revisões pós-operatórias).
Outra manifestação da ANS, fora quanto a inclusão no rol de procedimentos e eventos em saúde, passando a ser “a cobertura obrigatória do exame Sars-CoV-2, pesquisa por RT-PCR, para a identificação do diagnóstico da infecção de Covid-19 e da pesquisa de anticorpos IgA, IgG ou IgM, nos casos em que houver indicação médica” (GREGORI, 2020). Dessa forma, “consumidor de planos de saúde tem o direito à cobertura de todos os procedimentos e tratamentos da doença Covid-19” (GREGORI, 2020)
Ademais, quanto a possibilidade do aumento do número de inadimplências por parte dos consumidores desses serviços de saúde, em decorrência da possibilidade de perda da capacidade financeira, a ANS, estabeleceu a concessão de incentivos regulatórios a operadoras em situação regular. Passamos a citar alguns desses incentivos, sendo que todas podem ser encontradas no site oficial da ANS:
1) Retirada de exigência de ativos garantidores de Provisão de Eventos/Sinistros a Liquidar (PESL-SUS):
2) Possibilidade de movimentar os ativos garantidores em montante equivalente à Provisão de Eventos Ocorridos e Não Avisados (PEONA):
3) Redução da exigência da Margem de Solvência:
Deveres aos fornecedores de serviço de saúde durante a pandemia para obtenção dos benefícios.
De acordo com o art. 4, Inc. I do CDC deve-se ter o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”, acarretando na necessidade de “ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor” (Inc. II).
Dessa forma, visando proteger não apenas as prestadoras de serviços de saúde, como também os consumidores desses planos, a ANS exige uma contrapartida (deveres) das operadoras de serviços que aderem às medidas benéficas, havendo necessidade do consenso de algumas obrigações por parte das prestados dos planos da saúde, que deverá ser registrado no ato de assinatura de um termo de compromisso, cujo se comprometa à:
1) Renegociação de contratos: As operadoras possibilitarão aos consumidores uma renegociação dos contratos, comprometendo-se a manter a prestação dos serviços dos contratos, sejam ele individuais e familiares, coletivos por adesão e coletivos com menos de 30 (trinta) beneficiários.
Tais medidas tomadas pela ANS objetivam evitar a omissão de assistência tanto a consumidores, quanto as próprias fornecedoras desses serviços. Entretanto, quando essas prestadoras não aderem ao programa, e, consequente, não renegociam os contratos, diante na inadimplência de alguns consumidores, a judicialização está sendo um caminho para a resolução desse conflito.
Posição da Jurisprudência
Diante da indispensabilidade dos serviços médicos, para pessoas que se encontram no grupo de risco, durante a pandemia, alguns juristas, ante a mora no cumprimento de algumas obrigações contratuais, considerando a situação de excepcionalidade, considerando a crise econômica e sanitária, estão disponibilizando um tempo razoável para a regularização que os consumidores possam honrar seus compromissos.
Esse foi o posicionamento do desembargador Eurico de Barros Correia Filho, da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, que por meio do Agravo de Instrumento nº 0009749-61.2020.8.17.9000, decidiu, de forma cautelar, pela obrigatoriedade da operadora de plano de saúde a restabelecer contrato interrompido por inadimplência, dando à segurada o prazo de 60 dias para regularizar as pendências.
De acordo com o magistrado, na relação que se analisa há um mister entre “o respeito a autonomia contratual e ao pacta sunt servanda, inclusive a fim de se manter a higidez financeira das seguradoras, por outro, não se pode deixar de observar a situação de hipossuficiência dos segurados que vinham arcando normalmente com suas mensalidades”(TJPE, 2020, p. 2).
Assim, diante da inegável crise econômica que atinge a sociedade brasileira, gerando, dentre outros, a mora no cumprimento de obrigações, é necessário prevalecer a “função social e as regras consumeristas, as quais, por seu turno, colocam o consumidor como parte hipossuficiente e determinam a interpretação contratual de modo mais favorável ao mesmo” (TJPE, 2020, p. 3).
Ademais, como fora destacado pelo desembargador, que “é de bom alvitre destacar que o risco aqui não é a manutenção do contrato em si, mas sim a preservação da saúde, do bem-estar, da vida do consumidor” (TJPE, 2020, p. 3).
Por fim, a decisão destacou que é inviável obrigar a fornecedora dos serviços a suspender as cobranças das mensalidades, por um tempo indeterminado, visto que infringiria o caráter de comutatividade do contrato. Dessa forma, o princípio da boa-fé deve ser interpretado em junção a outros dois prismas distintos, um, quanto à comutatividade do contrato e outro quanto ao pacta sunt servanda.
Métodos De Resolução A Negativa Dos Serviços Pelos Planos de Saúde
Necessário destacar que, caso o consumidor seja prejudicado por condutas da prestadora dos serviços de plano de saúde, poder-se-á realizar reclamação diretamente aos órgãos de defesa do consumidor. Para isso, basta acessar o portal (consumidor.gov.br), pois a plataforma digital governamental, objetiva possibilitar uma negociação, visando um acordo entre as partes.
Caso haja negativa de cobertura de exame, por parte das fornecedoras, poderá ser registrada uma reclamação na plataforma digital (www.ans.gov.br). Com isso, cessadas as possibilidades de resolução por meio da negociação, se torna necessário recorrer ao Poder Judiciário.
Referências:
BRASIL. Tribunal de Justiça de Pernambuco. 4ª Câmara de Civil - Recife. Agravo de Instrumento, Processo nº 0009749-61.2020.8.17.9000. Relator(a): Des. Eurico de Barros Correia Filho. Data de sentença 14/07/2020.
GREGORI, Maria Stella. Garantias do Consumo: O impacto do novo coronavírus nos planos de saúde no Brasil. Consultor Jurídico, [S. l.], 01 jul. 2020. Disponível emhttps://www.conjur.com.br/2020-ago-07/cancelamento-plano-saude-divida-considerar-covid. Acesso em: 20 set. 2020.
BRASIL. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 Set. 1990 – Retificada em 10 jan. 2007.
BRASIL. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei no 9.961 de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 Set. 1990 – Retificada em 29 jan. 2000.
Agência Nacional de Saúde Suplementar. ANS flexibiliza uso de mais de R$ 15 bilhões em garantias financeiras e ativos garantidores. 09 abr. 2020. Diponivel em: < http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/coronavirus-covid-19/coronavirus-todas-as-noticias/5475-ans-flexibiliza-uso-de-mais-de-r-15-bilhoes-em-garantias-financeiras-e-ativos-garantidores>; Acesso em: 20 set. 2020.
Agência Nacional de Saúde Suplementar. ANS adota medidas para que operadoras priorizem combate à Covid-19. 25 mar. 2020. Diponivel em: <https://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/consumidor/5448-ans-adota-medidas-para-que-operadoras-priorizem-combate-a-covid-19>; Acesso em: 20 set. 2020.
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