top of page
Buscar

UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS ALTERNATIVOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DURANTE A PANDEMIA

  • observatoriojuridico
  • 13 de ago. de 2020
  • 9 min de leitura

Diante da alteração na dinâmica social decorrente dos efeitos causados pela pandemia do COVID-19 fora exigido, tanto do poder público, quanto da iniciativa privada, a realização de ações de forma preventiva, objetivando uma redução na propagação do vírus. Contudo, tais medidas foram adotadas por meio de decisões em caráter de urgência, sem que houvesse tempo hábil para a realização de uma análise completa dos impactos econômicos, sociais e antropológicos.


Nesse contexto, ocorreu um choque entre uma mudança abrupta no cotidiano social (agora baseado em distanciamento social, isolamento, impossibilidade do exercício de atividades econômicas não essenciais) e obrigações pactuadas entre as pessoas, que -em regra - não deixaram de ser exigidas mesmo durante a pandemia. A exemplo, estão as obrigações de execução continuada: mensalidades escolares, aluguéis residenciais, prestação de serviço entre outros vínculos jurídicos que são pactuados diariamente entre os indivíduos.


Assim, frente a necessidade de convivência entre uma nova realidade e antigas relações obrigacionais que se mantiveram, a sociedade passou a exigir do poder judiciário, enquanto regulador dos conflitos relacionais de relevância jurídica, as soluções para as mais díspares questões que se originaram ou se intensificaram durante a pandemia.


A interposição de ações judiciais passou a ser um mecanismo reivindicatório de repostas à tantas dúvidas, que se agravaram ainda mais pela criação de diversas novas leis no intuito de minimizar os efeitos da pandemia. Só em Mato Grosso, os deputados já apresentaram 249 projetos de leis, sendo que dessas, 14 já viraram leis (CARVALHO, 2020). Importante ainda salientar que a cada lei desenvolvida, uma conduta é restringida, proibida e/ou permitida, o que, geralmente, interfere na relação entre o privado e o poder público.


Essa proliferação de leis, pode provocar uma rasa e insuficiente compreensão de todo conjunto normativo, como exemplo, destaca-se que entre as datas de 16/03/2020 à 14/05/2020 em que houve a criação de 14 (quatorze) decretos municipais em Cuiabá com a ementa “sobre medidas temporárias, emergenciais e adicionais visando a prevenção de contágio pelo novo coronavírus (covid-19), no âmbito do município de Cuiabá, e dá outras providências”(DECRETO Nº 7879, 2020).


Outro fator que pode ter intensificado a busca pelo judiciário é a politização de algumas das medidas do poder legislativo que vão em contramão ao posicionamento do poder executivo. Em entrevista ao Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário de Mato Grosso (SINJUSMAT), o Presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargador Carlos Alberto da Rocha, menciona essa judicialização de todos os âmbitos das relações sociais:


"É um problema sério que a gente tem falado, que é a judicialização de tudo. Então o Legislativo e Executivo não conseguem chegar a um acordo, não conseguem resolver. E aí sobra onde? Sobra no Judiciário. É a judicialização da Saúde, judicialização dos impostos e agora dessas medidas também. Os juízes estão seguindo o que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem decidido e o juiz tem decidido em suas comarcas. Muitos têm recorrido ao Tribunal de Justiça (TJ), mas infelizmente é a judicialização de tudo."

Como destacado pelo desembargador, não há um consenso entre os poderes executivo e legislativo, que decore, até mesmo, pelo próprio desconhecimento do vírus. Dentes os problemas da judicialização em questões oriundas da pandemia, destaca-se a insuficiência estrutural do poder judiciário em receber a quantidade exorbitante dessas demandas, acarretando a mora para a solução do processo. Aliás, cabe ressaltar que o prolongamento do lapso temporal no tramite processual se dá, entre outras razões, pela escolha do sistema recursal brasileiro ante ao princípio constitucional implícito do duplo grau de jurisdição, que possibilita as partes a recorrerem para outras instâncias, como o Tribunal de Justiça ou o Superior Tribunal de Justiça.


Os problemas mencionas não são efeitos exclusivos da pandemia. Existem anos de pesquisas e análises que possibilitaram aos atores jurídicos “reconhecerem que as técnicas processuais servem a questões sociais e que as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada (...) inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal” (CAPPELLETTI; GARTH. 1988).


Considerando esse cenário de judicialização, aumenta a necessidade da valorização dos métodos de resolução dos conflitos que possam garantir a mesma urgência e velocidade exigível na atual conjuntura. Como a autocomposição por via extrajudicial.

Nesse contexto, destaca-se o art. 3º, §2º do CPC que prevê em seu texto: “Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”. Sendo inclusive, objeto de dever agir dos agentes da jurisdição brasileira incentivar esses mecanismos, como descreve o §3 do supracitado artigo, “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” Dentre as vantagens da utilização desses métodos se destacam por exemplo, “a redução do número de ajuizamentos de ações e do emprego de recursos públicos para esta função, a celeridade na resolução do problema, a satisfação de interesse de todas as partes envolvidas no embate, a simplicidade e a eficácia do procedimento” (MONTESCHIO, IOCOHAMA, NETTO, 2020).


Por tudo que fora posto, os métodos de solução extrajudicial de conflito poderão promover uma maior celeridade na resolução do conflito, com soluções mais adequadas ao caso concreto, que se mostram ainda mais essenciais durante a pandemia. Dito isso, passa-se a pormenorizar alguns desses métodos, em suas diferentes características:


1)Negociação: É um método de autocomposição (tomada de decisão realizada entre as partes) do conflito, baseado no diálogo entre as partes para que os envolvidos possam alcançar uma solução favorável para ambos, visto que podem manifestar suas vontades de modo mais amplo, expondo o que estão dispostos a se obrigar, bem como suas concessões. Esse método pode ser utilizado tanto formal, quanto informalmente, a diferença consiste na assinatura de um contrato ou acordo.



Ademais, a negociação pode ser realizada sem auxílio de um terceiro (negociação direta) ou com auxílio de um terceiro (negociação assistida). Importante ressaltar que para uma negociação é importante a disposição de cooperação entre as partes, bem como a boa-fé, a fim de que seja garantida a eficácia de uma negociação “win-win”, na qual as partes saem ganhando.

2)Mediação: A mediação é regulada pela Lei Nº 13.140, de 26 de junho de 2015, que define o processo como “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.” O referido procedimento pode ser caracterizado por mediação judicial (quando ocorre em órgãos do Poder Judiciário), extrajudicial (quando ocorre fora do Poder Judiciário), pré-processual (quando não tem processo judicial ou administrativo em curso) e processual (quando tem processo judicial ou administrativo em curso).


Com isso, a mediação é, assim como a negociação, um método em que a tomada de decisão é feita pelas partes, mas conta com o auxílio de um terceiro profissional neutro e treinado para promover um maior diálogo entre as partes, que auxilia os envolvidos de modo que possam compreender as questões que estão sendo discutidas, visando um (re)estabelecimento da comunicação entre as partes para que a solução contenha benefícios mútuos.


O referido procedimento é aconselhado, preferencialmente, para resolução de conflitos mais subjetivos, em que as partes tenham vínculo, que por vezes podem revelar um “emaranhado” de emoções e sentimentos que ocultam o real problema, ou seja, cujos conflitos sejam de média ou alta complexidade, e que, consequentemente, exigem um maior tempo para sua resolução.


Por essa razão esse método é recorrentemente utilizado para solucionar controvérsias em processos que envolvam assuntos como divórcio, guarda, alimentos, entre outros relacionados às matérias de Direito da Família, visto que o mediador tem o intuito de realizar o reestabelecimento do elo de comunicação entre os conflitantes.

3)Conciliação: Esse método de solução de controvérsias é muito semelhante à mediação, enquanto a mediação é aconselhada preferencialmente para conflitos mais complexos, a conciliação tende a ser mais adequada para contendas mais simples, de preferências nos casos em que não há vínculo anterior entre as partes, na qual o conciliador pode ter uma posição mais ativa, podendo sugerir soluções, apontar vantagens e desvantagens (o que não ocorre na mediação, visto que o mediador tem o papel de facilitar o diálogo entre os envolvidos), mas sempre atuando com imparcialidade e buscando a satisfação dos envolvidos.


Em razão disso, a conciliação é utilizada nas fases iniciais de alguns processos judiciais, pois, sendo um método de solução consensual que, de certo modo, proporciona maior autonomia das partes na decisão, tem o potencial de evitar o desgaste que se dá em virtude da morosidade para solução de um característico processo judicial.


A conciliação pode ser realizada tanto judicialmente (quando o conciliador é designado pelo Poder Judiciário), como extrajudicialmente (quando o terceiro, experiente, é eleito pelos envolvidos) e segue, geralmente, quatro etapas: Abertura, esclarecimentos, criação de opções e, por fim, a elaboração do acordo.


Isto posto, é de clareza solar que esse método visa a promoção de uma solução mais célere e proveitosa às partes, no entanto, apesar de apresentar muitas vantagens, não é um método muito requisitado, por diversos motivos, entre eles, o desconhecimento.

4)Arbitragem: É um procedimento no qual a decisão é tomada por um terceiro (ou mais), e não pelas partes, conforme as alternativas apresentadas anteriormente, e, portanto, não é um método de autocomposição, mas sim de heterocomposição, os quais tendem a focar mais em direitos e fatos do que nos interesses dos envolvidos.


Quando as partes optam por esse método de solução de conflitos de modo extrajudicial, o terceiro escolhido pelas partes tem a função de decidir a contenda de modo imparcial, e, segundo a lei que regula este procedimento (lei Nº 9.307, de 23 de setembro de 1996), em seu artigo 18, o arbitro atua como juiz de direito e de fato e a sentença por ele proferida não fica sujeita a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário.


Assim sendo, a arbitragem, bem como os outros métodos de soluções alternativas e extrajudiciais de contendas, são procedimentos mais céleres do que a judicialização, que, conforme fora exposto, provoca a mora dos processos judiciais (fazendo com que muitos demorem anos para serem julgados).


Isto posto, diante do cenário atual de pandemia, esses métodos alternativos podem se tornar ainda mais atraentes para aqueles que precisam de uma resposta mais célere às exigências sociais. Como exemplo, os mencionados métodos podem garantir maior eficácia aos conflitos oriundos da inadimplência contratual por ausência do cumprimento do que fora anteriormente pactuado, como nas mensalidades escolares e/ou nas obrigações locatícias. Situações essas que podem decorrer das consequências econômicas negativas que se resultam das medidas que visam evitar a propagação do novo coronavírus (COVID-19).


Uma das portas de acesso à esses procedimentos, pode ser encontrada nos CEJUSC’s (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) dos Tribunais de Justiça que visam “dar eficiência às políticas públicas e ao tratamento adequado de conflitos, com vistas ao acesso efetivo à justiça, seja com recebimento de reclamações, orientação e encaminhamento aos órgãos competentes, caso não sejam de competência judicial” (CUNHA,2018).


Recentemente fora criado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, o Centro de Mediação e Conciliação (CMC), que será responsável pela realização de acordos no STF, através da resolução nº 697, de 6 de agosto de 2020. Entre as diversas motivações para a referida criação, encontram-se o princípio da razoável duração do processo, bem como a necessidade de se consolidar a prática permanente de incentivo aos mecanismos consensuais de solução de litígios.


Assim sendo, é necessário ressaltar que não existe um método que se sobrepõe aos demais, apenas uma diversidade de possibilidades para soluções de conflitos que podem ser encontradas e adequadas, conforme se der o caso em discussão, sendo, portanto, importante que os envolvidos na contenda filtrem qual a opção que melhor lhes satisfaz, (seja ele judicial ou extrajudicial, capaz de proporcionar uma conclusão justa e legítima para ambos os envolvidos.

REFERÊNCIAS:

CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Ed. Sergio Antonio Fabris: Porto Alegre 1988.


CARVALHO, Elzis. Leis e ações ajudam a combater a Covid-19 em Mato Grosso: Almt. 23 jun. 2020. Disponivel: < https://www.al.mt.gov.br/midia/texto/leis-e-acoes-ajudam-a-combater-a-covid-19-em-mato-grosso/visualizar> ; Acesso: 06 ago. 2020


CUIABÁ, Prefeitura. Legislação municipal de Cuiabá. Diponivel em: < http://lmc.cuiaba.mt.gov.br/mostrar-documento-publico?codigo=12843> ; Acesso em; 08 Ago. 2020.


CUNHA, Dani. COORDENADORIA DE COMUNICAÇÃO DO TJMT. Cejusc dos Juizados Cíveis é inaugurado em Cuiabá. Cuiabá - MT, 20 jul. 2018. Disponível em: https://www.tjmt.jus.br/noticias/53218#.XzNn_sDPzDd. Acesso em: 9 ago. 2020.


LEI DE ARBITRAGEM. Lei nº 9307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, 24 set. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em: 9 ago. 2020.


LEI DE MEDIAÇÃO. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Brasília, 26 jun. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm. Acesso em: 9 ago. 2020.


MEDIAÇÃO X Conciliação X Arbitragem. Brasília - DF: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, 2018. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/mediacao-x-conciliacao-x-arbitragem#:~:text=Mediação%20–%20o%20mediador%20facilita%20o,de%20levá-lo%20ao%20Judiciário. Acesso em: 9 ago. 2020.


MONTESCHIO, Horácio; IOCOHAMA, Celso; NETTO, José. Solução aos desafios decorrentes da judicialização da epidemia de Covid-19. Conjur. 3 Mai. 2020. Diponivel: < https://www.conjur.com.br/2020-mai-03/direito-pos-graduacao-solucao-aos-desafios-decorrentes-judicializacao-epidemia>; Acesso: 09 Ago. 2020.


NEGOCIAÇÃO, mediação, conciliação e arbitragem. Sobral - CE, 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44818/negociacao-mediacao-conciliacao-e-arbitragem#:~:text=Negociação%20é%20o%20mecanismo%20de,terceiro%20como%20auxiliar%20ou%20facilitador. Acesso em: 9 ago. 2020.


PANDEMIA do coronavírus: TJ: "Há mudanças que vieram para ficar e não terão volta. Cuiabá - MT: MIDIANEWS, 2020. Disponível em: http://www.sinjusmat.com/inicial/pandemia-do-coronavirus--tj-ha-mudancas-que-vieram-para-ficar-e-nao-terao-volta. Acesso em: 9 ago. 2020.


SALES, Lilia Maia de Morais; RABELO, Cilana de Morais Soares. Meios consensuais de solução de conflitos: Instrumentos de democracia. Revista de Informação Legislativa, Brasília - DF, ano 46, n. 182, p. 75-88, 2009.


SCHREBIER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporaneo. Vol.2. Rio de Janeiro: Saraiva. 2018.


SILVA, PEDRO ANTÔNIO. Métodos alternativos para a solução dos conflitos judiciais. SOLUÇÕES ALTERNATIVAS DE CONFLITOS (DIREITO PROCESSUAL CIVIL), [s. l.], 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65703/metodos-alternativos-para-a-solucao-dos-conflitos-judiciais/2. Acesso em: 9 ago. 2020.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

Comments


  • instagram

©2020 por Observatório Jurídico-civil.

bottom of page