PROIBIÇÃO DA CONCESSÃO DE LIMINAR ORDENANDO A DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS NAS AÇÕES DE DESPEJO.
- observatoriojuridico
- 27 de ago. de 2020
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Em 10 de junho de 2020, foi aprovada a Lei n.º 14.010, denominada de Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET). Tal medida, tomada pelo poder legislativo, teve a mesma linha de atuação de outros países que também aprovaram leis de caráter emergencial, objetivando regular as atividades entre os particulares que tiveram impactos em decorrência das restrições socioeconômicas impostas durante a pandemia. A exemplo de país, destaca-se a Alemanha, que em tempo recorde de 1 (um) dia, desenvolveu um conjunto de ações que visam diminuir os efeitos do novo coronavírus (COVID-19) no país.[1]
Entretanto, o tramite legislativo do RJET provocou diversos debates, tanto na elaboração dos seus artigos, como na sua vigência, visto que, após ser aprovado pelo senado e pela Câmara dos Deputados, foi parcialmente vetado pelo Presidente da República. Dentre alguns trechos vetados, cita-se o art. 9º, que originalmente previa “Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59, § 1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020”.
Segundo as razões do veto (Mensagem nº 331)[2], o dispositivo poderia contrariar o interesse público por suspender um instrumento de coerção ao pagamento do estipulado entre as partes, acarretando uma proteção excessiva ao locatário. Ademais, o veto foi justificado por um possível incentivo ao descumprimento pactuado, desconsiderando a realidade de diversos locadores que dependem do recebimento de aluguel para garantir o próprio sustento. Entretanto, recebeu críticas por parte de alguns especialistas do direito privado, a exemplo de nomes como: Flavio Tartuce[3], Guilherme Reinig, Daniel Amaral Carnaúba e Daniel Pires Dias[4], segundo os quais, as razões expostas não teriam um caráter pragmático, podendo impossibilitar o exercício das recomendações sanitárias, como o distanciamento social.
Diante das manifestações contrárias ao posicionamento do Poder Executivo Federal, quanto a matéria acima destacada, aliado ao exercício procedimental da criação dos tipos normativos previsto na Constituição Federal[5], os senadores derrubaram o veto presidencial. Sendo confirmada, no dia 20/08/20, quando os deputados aprovaram a decisão do Senado.
Para demonstrar a amplitude do tema, bem como das decisões governamentais tomadas, tanto pelo Poder Executivo quanto pelo Legislativo, é necessário demonstrar que um dos principais objetivos do art. 9º do REJET que é regular os despejos de imóveis, ocasionados pelo aumento da inadimplência dos locatários durante a pandemia, bem como as consequências fático- jurídicas do não pagamento das prestações de contratos locatícios, qual seja: a possibilidade de que locador solicite a saída do inquilino da residência.
Dessa forma, com uma interpretação sistemática do REJET, a partir do presente contexto pandêmico, entende-se que inviabilizar os despejos de imóveis urbanos por medida liminar, sem a manifestação da parte contrária, é reconhecer que a desocupação requer o envolvimento de diversas pessoas, tais como oficiais de justiça, chaveiro, transportadora, locatário, sua família, ocupantes, lojistas, funcionários, entre vários outras. Uma ação que vai em consenso ao requerido pelos órgãos mundiais de saúde.
Outro ponto, que aparenta ser objetivo do legislador, é a proteção ao direito à moradia (artigo 6º CF/88), visto que os despejados, em meio a um cenário pandêmico e de quarentena, teriam que buscar novas acomodações. Nesta senda, a liminar concedida em favor do locador, poderá promover injustiças provocadas por decisões judiciais desproporcionais, que não promovem a avaliação das suas consequências fáticas.
Ademais, é relevante mencionar que o locador, mesmo com o art. 9º em vigência, poderá obter a ação de despejo por via liminar, basta se utilizar dos fundamentos do art. 300 do CPC, “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
Em oposição, Haroldo Lourenço destaca que a inexistência do mencionado artigo 9º da REJET, no caso concreto, não provoca abalos aos direitos dos locatários, posto que, o juízo diante de demandas que possam ser prejudiciais aos direitos individuais das partes poderá declarar ausência de possibilidade para concessão da liminar. Se utilizando do artigo 489, §1º, do CPC/15, expondo as suas razões, tais como o risco de expor alguém ao contágio ou disseminação do novo coronavírus.[6]
Pelo exposto, mesmo diante de críticas, passa a estar em vigor a medida (art. 9 Lei 14010) que abrange os imóveis urbanos (comerciais e residenciais) e atinge todas as ações ajuizadas a partir de 20 de março, data em que foi publicado o decreto legislativo que reconheceu o estado de calamidade pública em decorrência do coronavírus no país. Assim sendo, resta a impossibilidade de o julgador conceder liminar para despejar locatário nas ações que tratem sobre: 1) Descumprimento Mútuo de um acordo (inc.1); 2) Extinção do contrato de Trabalho (Inc. II); 3) A permanência do sublocatário (morador do imóvel que não foi o locatário no contrato) no imóvel (Inc. V); 4) O término do prazo notificatório (Inc. VII); 5) O término do prazo da locação não residencial (Inc. VIII); e 6) A falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento.
REFERÊNCIA:
FRITZ, Karina Nunes. Lei alemã para amenização dos efeitos do coronavírus altera temporariamente o direito de locação. Migalhas. 31 Mar. 2020.
Mensagem de veto n. 331, de 10 de junho de 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Msg/VEP/VEP-331.htm>.
TARTUCE, Flavio. “Saída de Emergência — A Lei 14.010 (RJET) e seu impacto no Direito Privado (do artigo 6º ao 10º”, Conjur. Youtube. Diponivel em: < https://www.youtube.com/watch?time_continue=3219&v=rw750h9gPPI&feature=emb_logo>; Acesso em: 22 ago. 2020.
LIMA REINIG, G.H.; CARNAÚBA D. A.; DIAS D. P. Despejo liminar e coronavírus: críticas ao veto ao artigo 9º do PL 1.179/2020. Conjur. 18 jun. de 2020. Diponivel: < https://www.conjur.com.br/2020-jun-18/direito-civil-atual-criticas-razoes-veto-artigo-pl-11792020>; Acesso em: 05 Jul. 2020.
Câmara dos Deputados: “Tramitação de Projetos”. Disponivel em: <https://www.camara.leg.br/noticias/573454-SAIBA-MAIS-SOBRE-A-TRAMITACAO-DE-PROJETOS-DE-LEI>; Acesso em: 22 ago. 2020.
CONJUR. Legislação Emergencial: “Senado derruba vetos de Bolsonaro e despejos por liminar estão proibidos”. 19 ago. 2020. Disponivel em: <https://www.conjur.com.br/2020-ago-19/senado-derruba-vetos-despejos-liminar-proibidos> ; Acesso em: 22 ago. 2020.
LOURENÇO, Haroldo. Despejo liminar após o veto ao RJET é uma solução simples. Conjur: 20 jul. 2020. Disponivel em: < https://www.conjur.com.br/2020-jul-20/lourenco-despejo-liminar-veto-rjet>; Acesso em: 22 ago. 2020.
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de evidência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 132.
FRITZ, Karina Nunes. Lei alemã para amenização dos efeitos do coronavírus altera temporariamente o direito de locação. Migalhas. 31 Mar. 2020. Mensagem de veto n. 331, de 10 de junho de 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Msg/VEP/VEP-331.htm>. TARTUCE, Flavio. “Saída de Emergência — A Lei 14.010 (RJET) e seu impacto no Direito Privado (do artigo 6º ao 10º”, Conjur. Youtube. Diponivel em: < https://www.youtube.com/watch?time_continue=3219&v=rw750h9gPPI&feature=emb_logo>; Acesso em: 22 ago. 2020. LIMA REINIG, G.H.; CARNAÚBA D. A.; DIAS D. P. Despejo liminar e coronavírus: críticas ao veto ao artigo 9º do PL 1.179/2020. Conjur. 18 jun. de 2020. Diponivel: < https://www.conjur.com.br/2020-jun-18/direito-civil-atual-criticas-razoes-veto-artigo-pl-11792020>; Acesso em: 05 Jul. 2020. Câmara dos Deputados: “Tramitação de Projetos”. Disponivel em: <https://www.camara.leg.br/noticias/573454-SAIBA-MAIS-SOBRE-A-TRAMITACAO-DE-PROJETOS-DE-LEI>; Acesso em: 22 ago. 2020. LOURENÇO, Haroldo. Despejo liminar após o veto ao RJET é uma solução simples. Conjur: 20 jul. 2020. Disponivel em: < https://www.conjur.com.br/2020-jul-20/lourenco-despejo-liminar-veto-rjet>; Acesso em: 22 ago. 2020
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