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OS IMPACTOS NOS CONTRATOS LOCATÍCIOS EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA CAUSADA PELO COVID-19 NO BRASIL

  • observatoriojuridico
  • 30 de jul. de 2020
  • 6 min de leitura

A pandemia provocada pelo COVID-19 no Brasil trouxe um cenário de caos e incerteza, acarretando uma avalanche de prejuízos econômicos, tendo reflexos, inclusive, no mundo dos contratos, em especial os de locação (comercial e urbana).

O locatário/inquilino pode ser tanto uma pessoa natural, quanto jurídica. Em razão da pandemia, o locatário/inquilino pode se ver impossibilitado de adimplir a sua obrigação de pagar o aluguel. As razões podem ser variadas desse inadimplemento, como é o caso de desemprego ou corte de salário, no caso da pessoa natural, ou a perda de ativos, em razão de suspensão ou limitação de atividades, em se tratando de pessoa jurídica.


As limitações na locação podem ser totais ou parciais na utilização do imóvel. Como exemplo, pode-se citar a impossibilidade de manter um estabelecimento em pleno funcionamento, no caso de imóveis comerciais, ou de frequentar áreas comuns condominiais, no caso de imóveis residenciais. Assim, não há o livre e integral exercício dos direitos adquiridos quando pactuado o contrato de locação.


Na outra ponta da relação jurídica, está o locador, que também pode ser pessoa jurídica e natural. O Locador, diante de um inadimplemento do locatário, por vezes, pode ser privado da sua única fonte de renda, inviabilizando, dessa forma, a capacidade de suprir com as necessidades individuais e coletivas, o que consequentemente pode afetar negativamente o sustento de sua família.


Diante de tal situação, é exigido da ciência jurídica, enquanto reguladora das relações sociais, meios de solução para que haja o retorno ao equilíbrio contratual outrora vigente, bem como analisado quando e como isso pode ser exigido. Para isso, é necessário perpassar por posicionamentos doutrinários divergentes, conforme o que se passa a expor.


A priori, tem-se os princípios da autonomia privada e da preservação contratual, os quais urgem que se evite ao máximo a modificação dos contratos, sendo essa a última opção do que fora pactuado entre as partes. A natureza principiológica daqueles que defendem a manutenção contratual, mesmo frente as modificações sociais/financeiras, se baseia no princípio do pacta sunt servanda. Segundo esse princípio, as partes têm o dever de cumprir e respeitar aquilo que foi acordado consensualmente entre eles, ou seja, “força obrigatória do estipulado no pacto” (TARTUCE, 2019, p. 145).


De acordo com esse princípio, no caso em análise, o último caminho a ser tomado seria a revisão ou suspensão dos valores determinado nos contratos de locação do imóvel. Deve-se, inicialmente, o respeito ao princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual, previsto no art. 421 da lei nº 13.874/2019. Nesse sentido relata o enunciado nº 149 da III Jornada de Direito Civil:


Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os contratantes a seguir as regras do art. 157, § 2º, do Código Civil de 2002.

Entretanto, há outra vertente que propõe solução diversa do supracitado, sob o argumento de que a realidade jurídica e fática do mundo contemporâneo não mais nos possibilita a existência estática (imutável) de contratos. A efemeridade das relações sociais exige que a interpretação das normas legais e sociais se utilize cada vez mais da especificidade de cada caso. Para essa corrente, os instrumentos particulares que pactuaram a relação de locação do imóvel, devem se valer de valores sociais.


Ainda sobre essa proposição, destaca-se que a própria lei reguladora das relações entre privados, o Código Civil (CC), traz mecanismos que afastam a vontade das partes, ainda que deixe claro que tal possibilidade é excepcional. Como exemplo, cita-se o art. 393 do CC/2002, in verbis:


Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir.

Segundo essa interpretação, o princípio do pacta sunt servanda, isto é, o respeito do pactuado entre as partes, não deve ser afastado, apenas há de ser completado pela regra do rebus sic stantibus, em outras palavras “o contrato só pode permanecer como está se assim permanecerem os fatos” (TARTUCE, 2019. P. 264). Sendo assim, o contrato faz lei entre as partes, contudo, deve se manter a situação dos fatos existentes no momento da sua celebração.


Essa análise é denominada de teoria da imprevisão e, conforme lecionam Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2019,p.296), considerar as instabilidades provocados pelos novos fatores que inexistiam na hora da pactuação do contrato é “uma aplicação direta do princípio da boa-fé objetiva, pois as partes devem buscar, no contrato, alcançar as prestações que originalmente se comprometeram, da forma como se obrigaram”.


Entende-se ser esse o caso presente, visto que o surto de COVID-19 alterou o contexto social, sendo exigida a revisão dos contratos já estabelecidos, inclusive os de locação, caso tenha ocorrido alteração econômica de uma das partes que possa suscitar excessiva onerosidade. Não é viável que seja cobrado o que foi pactuado em circunstâncias completamente diferentes das atuais, deve se levar em conta os impactos da pandemia nas condições de cada membro da sociedade.


Nesse contexto, por meio de análise do sistema jurídico brasileiro, percebe-se que existem dispositivos normativos que permitem essa interpretação, como os artigos 317 e 478 do Código Civil de 2002, que preveem como medidas para reaver o equilíbrio do pactuado, a revisão contratual por fato superveniente diante da imprevisibilidade somada a onerosidade excessiva. Sendo assim, um meio de rever as cláusulas e condições do instrumento contratual e adequá-las a uma nova situação.


Para melhor explicar as condições que possibilitam a revisão contratual, é necessário discorrer quanto alguns termos acima citados, sendo um deles, a “onerosidade excessiva”, que se pode compreender como a vantagem econômica de uma das partes frente ao prejuízo da outra, decorrente de uma quebra de sinalagma (reciprocidade entre as partes); o desequilíbrio; o prejuízo; a desarmonia. Em síntese, a situação desfavorável para uma das partes. A balança, antes equilibrada, passa a pesar mais para uma das partes.


O fato superveniente (posterior a celebração do contrato) é o imprevisível/ extraordinário, ou seja, fora do presumível, que não se esperava que acontecesse, como é o caso do próprio COVID-19, ou seja, na elaboração do instrumento contratual (anterior à pandemia), nenhuma das partes cogitou a possibilidade da ocorrência de uma pandemia e seus efeitos.


Nesse sentido, a I Jornada de Direito Civil, por meio do enunciado n° 17, destaca que na interpretação do conceito imprevisibilidade, deve ser considerada tanto causa de 1) desproporção não-previsível; como também 2) não previsíveis e as 3) causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis.


Para compreender a aplicação dos entendimentos acima à atual realidade, deve ser destacado o enunciado nº 175, da mesma Jornada, que estabelece a necessidade de se analisar não só o fato que gera desequilíbrio (ex. pandemia causada pelo COVID-19), mas também as consequências que ele produz (ex. desemprego).


Nesse contexto, para que haja revisão do contrato é necessário haver desproporção e imprevisibilidade (TARTUCE, 2019, p.200), requisitos indispensáveis para que se sustente a Teoria da Imprevisibilidade, por onerosidade excessiva. Ademais, destaca o autor que os fatos supervenientes devem ser alheios à vontade das partes e sua atuação culposa.


É bom se esclarecer, diante de tudo que se ilustrou, que alguns impactos podem ser ocasionados nos contratos de locação em razão da pandemia. Entretanto, isso não quer igualmente dizer que, em todos os contratos de locação (sejam eles residenciais ou comerciais), pode existir alguma interferência a ponto de justificar uma revisão do contrato ou até mesmo a sua resolução.


Diante do exposto, é necessário salientar que há uma ausência de exatidão no tratamento dessa matéria pelos tribunais brasileiros. Assim, o Poder Judiciário terá a árdua, mas necessária, missão de analisar caso a caso, de forma individual, as ações revisionais dos contratos de locação imobiliária, para evitar que se generalize qualquer lei, princípio ou entendimento desconexo da exigência social.


Gostou de saber informações sobre revisão de contratos imobiliários em tempos de pandemia? Deixe sua pergunta, nos relate casos e siga-nos que em breve postaremos mais conteúdos sobre os métodos de resolução desses conflitos por via extrajudicial.


REFERÊNCIAS

ENUNCIADO, nº 149, III Jornada do Direito Civil, CNJ. Diponivel em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/247>; Acesso em 18 Jul. de 2020.


ENUNCIADO, nº 17, I Jornada do Direito Civil, CNJ. Diponivel em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/663>; Acesso em 18 jul. de 2020.


ENUNCIADO, nº 175, Jornada do Direito Civil, CNJ. Diponivel em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/316>; Acesso em 18 Jul. de 2020.


TORRES NETO, J. A Teoria Da Imprevisão E A Sua Possível Aplicação Pelos Agentes Econômicos Ante A Pandemia – covid-19. Migalhas. 16 abr. 2020. Diponivel em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/324764/a-teoria-da-imprevisao-e-a-sua-possivel-aplicacao-pelos-agentes-economicos-ante-a-pandemia-covid-19#:~:text=Em%20complemento%20a%20regra%20da,pactuaram%20levando%20em%20considera%C3%A7%C3%A3o%20a>; Acesso em: 18 jul. 2020.


SCHREBIER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. Vol.2. Rio de Janeiro: Saraiva. 2018


STOZE, P.; FILHO, R. Novo Curso De Direito Civil, Volume 4: Contratos. 2. ed. unificada. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.


TARTUCE, Flávio. Direito civil v.3: Teoria geral dos contratos e contratos em espécie.14. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2019

 
 
 

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