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GUARDA COMPARTILHADA EM TEMPOS DE PANDEMIA

  • observatoriojuridico
  • 16 de jul. de 2020
  • 5 min de leitura

A recente pandemia do Coronavírus que vem assolando não só o Brasil, mas também o mundo inteiro, mudou e tem mudado o cotidiano da população. Isso porque, em razão do elevado risco de contágio e do desconhecimento de um remédio eficaz, a principal recomendação para conter o avanço do COVID-19, tem sido o distanciamento social. Diante desse cenário, surge uma problemática: como resolver a situação das crianças que se encontram sob o regime de guarda compartilhada, visto que o trânsito de pessoas é desaconselhado?


Tratando-se de guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ocorrer de forma equilibrada entre os genitores, levando em consideração sempre as condições fáticas e o melhor interesse dos filhos, conforme o §2º do artigo 1583 do Código Civil.


Dada a relevância e a gravidade da pandemia, algumas famílias acabaram se ajustando temporariamente a outro formato de convivência, sem que para isso tivessem que recorrer à Justiça. Contudo, em algumas situações, os genitores não entraram em acordo, sendo uma escolha unilateral, razão pela qual buscam o Poder Judiciário para solucionar o conflito. Em entrevista ao Observatório Jurídico Civil, a magistrada Angela Gimenez, da 1ª Vara Especializada de Família e Sucessões de Cuiabá, falou sobre a demanda desse tipo de ações durante a pandemia:


“No começo da pandemia nós tivemos uma maior procura, principalmente, nos dois primeiros meses, por que e a que eu atribuo esse aumento? Eu acho que como a gente ainda não conhecia muito bem a dinâmica da doença, e sabendo que era uma doença que não tinha vacina e que não tinham remédios, as pessoas se assustaram muito, e, na época, se falava muito sobre essa questão das crianças serem hospedeiras. (...) historicamente, as mães acabam, em grande parte, passando mais tempo com as crianças do que os pais. Quando a pandemia aconteceu, a maior parte das crianças se encontravam com suas mães, e algumas delas, unilateralmente, decidiram não permitir, mesmo com a guarda compartilhada, que as crianças fossem para casa que tem com os pais, em razão do translado e da possibilidade de ter contato com mais pessoas.”

Insta salientar, que a jurisprudência ainda não é uníssona, sendo possível encontrar julgados que tanto permitem a guarda compartilhada e as visitas durante a pandemia, quanto os que restringem esses direitos.


Em relação às medidas restritivas, cita-se o caso do Agravo de Instrumento nº 2031075-28.2020.8.26.0000 SP, conforme se verifica no trecho da decisão abaixo:


De fato, o isolamento social inerente ao atual estado de calamidade pública impõe o resguardo e a cautela da parte de todos, sendo certo que o exercício de livre visitação neste momento poderá contribuir com a transmissibilidade do coronavírus e com o consequente colapso do sistema de saúde pública no Estado de São Paulo. Contudo, telefonemas por vídeo ou áudio estão liberados, a fim de que pai e filho mantenham o vínculo de afinidade.
(TJ-SP - AI: 20310752820208260000 SP, Relator: Rosangela Telles, Data de Julgamento: 01/06/2020, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/06/2020).

De forma contrária, em caso recente que tramitou perante a 5º Vara Especializada de Família e Sucessões de Cuiabá/MT, um pai solicitou a mudança provisória da guarda, devido à profissão da mãe dos filhos, que exercia seu ofício em um hospital da capital. Em razão disso, ele entendia que a convivência com a mãe oferecia alto risco de contaminação para as crianças, colocando-as em risco

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Porém, em sede de recurso, o Desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho entendeu que não poderia privar a agravante de ver os filhos durante a pandemia do Coronavírus pelo simples fato de trabalhar em hospital, visto que a atividade que exercia não expunha os filhos ao risco. Ademais, não havendo data prevista e nem definida para o término da situação, não poderia cercear a convivência das crianças com a mãe por tempo indeterminado. Transcreve-se trecho da decisão:


A situação excepcional enfrentada no Brasil desde 13.03.2020 em razão da pandemia do Coronavírus (Covid-19), embora extremamente preocupante devido à rápida disseminação, alta letalidade, ausência de medicamentos específicos e vacina, não autoriza a alteração da modalidade de guarda compartilhada acordada judicialmente pelas partes em Ação de Divórcio sob a justificativa de que a profissão da agravante (técnica de enfermagem) oferece risco.
A permanência das crianças por tempo indefinido com apenas um dos pais fere os princípios da corresponsabilidade e da proteção integral e pode trazer consequências danosas para sua segurança e desenvolvimento, já que gera angústia, dor e sofrimento. A ausência física tem reflexos psicológicos muitas vezes irreversíveis e pode até mesmo, dependendo da idade, ser interpretada como se tratasse de morte.

A juíza Angela Gimenez, elogiou o posicionamento do Desembargador, ressaltando que “a decisão reafirma a igualdade parental existente entre pai e mãe, trazida pela Lei 13.058/2014, que deve persistir, mesmo em situação excepcional, como a decorrente da pandemia, desde que os genitores não possuam comorbidades e adotem todos os cuidados de higiene recomendados pela Organização Mundial de Saúde – OMS e autoridades nacionais”.


Outrossim, em artigo publicado no site Consultor Jurídico, a juíza entendeu que deixar os filhos com apenas um dos responsáveis é uma medida contrária à proteção integral das crianças, visto que a sobrecarga de atribuições pode aumentar os índices de maus-tratos infantis. Além disso, pode ocorrer uma diminuição do vínculo paterno-filial de afeto, com a impossibilidade do contato físico e participação de outro genitor na rotina dos filhos.


Não obstante, no diálogo com o Observatório Jurídico Civil a magistrada ressaltou que a guarda compartilhada, além de assegurar o pleno desenvolvimento da criança, é uma forma de garantir a igualdade entre homens e mulheres:


“Nesse período de pandemia, uma vez que, se você compartilha o tempo com quem é co-responsável, a gente vai ter mais segurança que a criança esteja bem. Primeiro, porque se divide o trabalho do cuidado que é extenuante, porque criança precisa ser cuidada. Segundo, porque você divide a questão econômico-financeira, pelo menos, no tempo em que ela está com aquele genitor. Aquele genitor será responsável pela comida, pelo bem-estar, pelo banho, principalmente por estarmos falando de uma população extremamente empobrecida. (...) Quando você divide isso, você consegue minimizar, de certa forma, essa desigualdade que foi sendo perpetuada, ao longo do tempo, contra as mulheres.”

Durante a entrevista, ela destacou, ainda, a importância de o Poder Judiciário não proferir decisões genéricas no âmbito do Direito das Famílias, pois é preciso se atentar às particularidades de cada processo:


“Nós queremos que cada caso, dentro da sua singularidade, seja examinado com essa visão, protetiva da criança, que é a meta primeira, resguardar e proteger, por ser vulnerável, e olhar as circunstâncias, porque o que pode impedir a guarda compartilhada, são, justamente, questões muito particulares. (...) essas particularidades, não são uma regra, elas são a exceção, porque a regra é que os filhos têm que ficar com o pai e com a mãe.”

Conclui-se, portanto, que o cenário ideal seria a resolução do conflito extrajudicialmente, para poupar a criança dos sofrimentos que um litígio causa. Todavia, quando não há essa possiblidade, e ocorre a judicialização, os magistrados devem analisar as particularidades do caso, se atentando ao princípio do melhor interesse do menor, princípio da corresponsabilidade entre os genitores e a necessidade de convívio com ambos. Desse modo, se irá priorizar, quando possível, a guarda compartilhada e o direito de convivência, garantindo-se, assim, o desenvolvimento biopsicossocial das crianças. Ademais, percebe-se a tendência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso em preservar o referido modelo de guarda, resguardando o direito de convivência dos filhos com os dois responsáveis e considerando as condições de proteção e cuidado das crianças em cada família.


REFERÊNCIA:






 
 
 

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1 Comment


victor willian brito silva
Jul 16, 2020

Lindo informativo. Parabéns aos autores

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