FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL EM TEMPOS DE PANDEMIA
- observatoriojuridico
- 8 de jul. de 2020
- 3 min de leitura
Diante da repercussão global dos casos de COVID-19 e a atual situação em que o Brasil se encontra, muitas questões jurídicas entram em debate como forma de buscar meios para amenizar possíveis impactos da pandemia frente à coletividade. Desta forma, cabe perguntar: qual a tarefa da responsabilidade civil no atual momento em que vivemos?
Ao visualizar o contexto social, percebe-se que simples atos que visam o bem-estar coletivo e a saúde de outros indívuos, como o uso correto de máscaras em locais públicos, isolamento social e respeito às medidas de combate ao coronavírus, contribuem com a segurança da sociedade. Ou seja, o agir com empatia e altruísmo é capaz de salvar a vidas dos demais.
Contudo, a realidade não se apresenta com as capacidades ditas anteriormente. O novo normal convive concomitantemente com bares lotados que não cumprem com as medidas de distanciamento social, o uso indevido de máscaras e negligência de uma parcela da população. Perante esta realidade, é possível almejar diferentes atribuições ao instituto da responsabilidade civil, além das funções indenizatória e punitiva?
Recentemente, em março, um médico que atende em diversos municípios do Litoral Norte da Bahia testou positivo para o COVID-19. Este profissional de saúde, após ter feito viagem aos EUA, teve contato com inúmeros pacientes, até mesmo no dia em que apresentou sintomas.
Diante desses casos em que há a perspectiva de alegar negligência do indivíduo e o risco em assumir determinada conduta, é possível mencionar a existência de um "dano de risco."¹ Destarte, cabe ponderar o Recurso Especial (REsp 1760943 / MG) do Superior Tribunal de Justiça, em que o Ministro Luis Felipe Salomão reconheceu responsabilidade civil de pessoa que transmite o vírus HIV em relação conjugal, que assim dispõe:
[...]
O parceiro que suspeita de sua condição soropositiva, por ter adotado comportamento sabidamente temerário (vida promíscua, utilização de drogas injetáveis, entre outros), deve assumir os riscos de sua conduta, respondendo civilmente pelos danos causados.
A negligência, incúria e imprudência ressoam evidentes quando o cônjuge/companheiro, ciente de sua possível contaminação, não realiza o exame de HIV (o Sistema Único de Saúde - SUS disponibiliza testes rápidos para a detecção do vírus nas unidades de saúde do país), não informa o parceiro sobre a probabilidade de estar infectado nem utiliza métodos de prevenção, notadamente numa relação conjugal, em que se espera das pessoas, intimamente ligadas por laços de afeto, um forte vínculo de confiança de uma com a outra.
Assim, considera-se comportamento de risco a pluralidade de parceiros sexuais e a utilização, em grupo, de drogas psicotrópicas injetáveis, e encontram-se em situação de risco as pessoas que receberam transfusão de sangue ou doações de leite, órgãos e tecidos humanos. Essas pessoas integram os denominados "grupos de risco" em razão de seu comportamento facilitar a sua contaminação.
Na hipótese dos autos, há responsabilidade civil do requerido, seja por ter ele confirmado ser o transmissor (já tinha ciência de sua condição), seja por ter assumido o risco com o seu comportamento, estando patente a violação a direito da personalidade da autora (lesão de sua honra, de sua intimidade e, sobretudo, de sua integridade moral e física), a ensejar reparação pelos danos morais sofridos.
[...]
Processo REsp 1760943/MG RECURSO ESPECIAL 2018/0118890-8 Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 19/03/2019 Data da Publicação/Fonte DJe 06/05/2019.
Assim, de acordo com o Min. Salomão, ainda que a efetiva transmissão do vírus HIV, por parte do companheiro, não fosse consumada, o fato de assumir o risco voluntariamente e tendo o conhecimento da sua condição é capaz de ensejar responsabilidade civil e o dever de indenizar a ex-companheira por danos morais.
De forma análoga ao mundo atual, faz-se imperativo analisar as semelhanças entre as situações. Diante das funções atribuídas à responsabilidade civil por parte da doutrina, como a preventiva e precaucional, cabe responsabilizar o indivíduo que age de forma negligente apenas como uma medida de prevenção, sem um dano concreto?
Cabe observar que, perante as ações tomadas pelo Poder Executivo, há como entender de maneira positiva a responsabilidade daquele que descumprir as medidas de combate ao coronavírus. De acordo com a Lei Federal N° 13.979, Art. 3°, §4°, aquele que não seguir as deliberações mencionadas no artigo, será responsabilizado. Da mesma maneira, o Decreto Estadual de Mato Grosso n.° 532, Art. 6-A, atribui sanções administrativas, cíveis e criminais aos que não cumprirem as medidas impostas pelo Estado.
Portanto, visando o que foi exposto, e considerando o momento de extrema peculiaridade em que vivemos, o qual afeta diversas áreas jurídicas, faz-se necessário analisar o instituto da responsabilidade civil e propor novas interpretações. Perante às exigências da sociedade contemporânea e os conflitos que a pandemia gerou, o direcionamento a essa ciência tão multiforme nos permite imaginar um futuro mais promissor.
1 - LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 139.
Autores: SOUZA, Joselaine; MOURA, Lucas; JANONES, Nathalia; MACHADO, Yuri .
Comments