ARTIGO 15 DA LEI N. 14.010/2020 - PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA ALIMENTÍCIA DURANTE A PANDEMIA
- observatoriojuridico
- 7 de jul. de 2020
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A recente pandemia do coronavírus trouxe uma série de mudanças que impactaram todos os ramos do Direito, inclusive, o Direito Privado, que teve que adaptar suas mais diversas áreas de atuação. As medidas de isolamento acarretaram sérias consequências, sem que, em contrapartida, houvesse uma legislação específica para lidar com essas situações, extremamente, atípicas.
Diante dessa problemática, foi publicada, no dia 10 de junho de 2020, a Lei nº 14.010/20, instituindo, assim, o Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) que, não obstante os seus importantes efeitos nos demais campos do Direito Civil, gerou, também, grande impacto no Direito de Família.
O artigo 15 da Lei nº 14.010 afirma que: “Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.”
Insta salientar, que o referido artigo se coaduna com o entendimento previamente consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça, que, por meio da decisão do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, estendeu, em sede de Habeas Corpus (HC 568.021), os efeitos de liminar, até então com eficácia restrita ao Ceará, a todos os presos por dívida alimentar do País, conforme trecho da decisão:
Referiu que, no atual contexto, em que ocorre o surto da COVID-19 em todo o território brasileiro, quase duas mil pessoas estão com suas liberdades cerceadas por força de decretos de prisão civil decorrentes de dívida de alimentos.
Diante da excepcionalidade do caso concreto, acolho o pedido da DPU, determinando o seu ingresso nos autos na qualidade de impetrante e determino a extensão dos efeitos da decisão que deferiu parcialmente a medida liminar para determinar o cumprimento das prisões civis por devedores de alimentos em todo o território nacional, excepcionalmente, em regime domiciliar.
Ressalto que as condições de cumprimento da prisão domiciliar serão estipuladas pelos juízos de execução de alimentos, inclusive em relação à duração, levando em conta as medidas adotadas pelo Governo Federal e local para conter a pandemia do Covid-19.
A presente decisão, entretanto, não revoga a adoção de medidas mais benéficas eventualmente já determinadas pelos juízos locais.
[...]
STJ, HC nº 568.021 - CE (2020/0072810-3), Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Data do Julgamento: 23.3.2020, Data da Publicação: 25.3.2020, Julgamento da extensão: 26.3.2020
O Ministro Sanseverino, levou em consideração a necessidade de medidas de contenção do contágio do Covid-19, o crescimento exponencial da pandemia no país e a Recomendação do Conselho Nacional de Justiça n. 62/2020, que em seu artigo 6º propõe: “Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.”
Percebe-se, que o caráter da decisão do Habeas Corpus coletivo e da Recomendação do CNJ, foi apenas liberatório, tendo direito ao regime domiciliar, apenas aqueles que já estavam presos. Todavia, no julgamento do HC Coletivo n. 551.311-7, no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o entendimento foi pela suspensão do cumprimento da ordem, daqueles que ainda não estivessem encarcerados, sem o implemento imediato da medida substitutiva de prisão civil em regime domiciliar. Outrossim, o Min. Villas Boas Cuevas, do STJ posicionou-se na mesma linha que o TJPE, perante a 3º Turma, ao denegar pedido do HC.
Ademais, ressalta-se que, após a publicação da Lei 14.010, foi possível observar, em diversos Tribunais de Justiça brasileiros, o surgimento de julgados concedendo a prisão domiciliar aos devedores de pensão alimentícia, dentre os quais destaca-se a decisão do TJRS nos autos do Habeas Corpus Nº 70084322627, cuja ementa se vê abaixo:
Diante da situação excepcional e urgente trazida pela COVID-19, imperiosa a decretação da prisão do devedor, mas em regime domiciliar, com base nas garantias constitucionais à saúde e à dignidade da pessoa humana, observando a recomendação nº. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça e recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus Coletivo nº 568.021/CE.
Além disso, a recentíssima Lei n. 14.010/2020, publicada em 10/06/2020 (com vigência da data de sua publicação), dispõe no seu art. 15º que até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar.
CONCEDIDA A ORDEM, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.
(TJ-RS - HC: 70084322627 RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Data de Julgamento: 26/06/2020, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 29/06/2020)
Diante do exposto, é correto afirmar que a Lei da Pandemia, de certo modo, pacificou o tema em relação ao regime imposto aos presos por dívida alimentar, pelo menos até a data de 30 de outubro de 2020.
Contudo, resta a dúvida se a novidade legislativa, trará, realmente, mais benefícios do que malefícios, pois se por um lado é necessário conter o contágio do coronavírus nos presídios, por outro lado é preciso considerar que grande parte dos devedores de alimentos só cumpre sua obrigação sob a ameaça de prisão, e a sua provável inércia, acarretará uma afronta ao princípio do melhor interesse da criança, consagrado no art. 227 da Constituição Federal.
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